domingo, 2 de janeiro de 2011

O nascimento do décimo terceiro

Nada, nada mesmo, como o espírito natalino, quando comemoramos a chegada do bom menino, o décimo terceiro. E eu, como toda cinderella divorciada, participo desta loucura coletiva que oprime o mundo cristão sozinha. Sozinha atravesso estes dias extraordinários quando temos a oportunidade de ver o nosso chefe bêbado cantando - ou gritando - o "menino da porteira", você e todas as mulheres que lhe apareceram. Sozinha enfrentei um shopping lotado, uma fila de duas horas para os meus fihos abraçarem um pobre de um velho cheirando de suor e vestindo roupa papai noel. Confesso que depois da vigésima oitava rifa para ajudar os mais necessitados eu passei grande parte dos últimos dias de trabalho no banheiro, escondida, por isso fechei o ano com todo mundo pensando que eu estou tomando xenical. E teve mais: faxinar a casa, trabalhar até a exaustão para ter alguns dias de folga a mais, torcer para os filhos passarem de ano, pagar contas atrasadas, perambular pelas ruas e supermercados lotados, lutar até por um pedacinho de calçada,agarradíssima à bolsa com medo de ser assaltada. Sozinha eu fiz o que eu jurei o ano passado que nunca mais faria de novo: comprar uma lembrancinha para todos os seus entes queridos, inclusive os que te irritam, principalmente para os que te irritam. Eu, da minha parte, muito imbuída deste espírito cristão extraordinário, celebrei o nascimento do décimo terceiro gastando horrores, comprando muitas utilidades completamente inúteis, roubei um táxi de uma velhinha, fiz um funcionário de uma loja carregar duas quadras uma televisão de LED – que eu ainda não sei como funciona – até o táxi que a tal velhinha estava esperando e não dei gorjeta, ameacei uma atendente da TV a cabo de morte depois de duas horas de espera ouvindo 198 vezes o quanto a minha ligação era importante, discuti com alguns parentes na noite de natal, e estraguei o presente de uma sobrinha que eu tentei abrir com uma faquinha de cozinha, só para ajudar. A ceia, então, é um capítulo a parte, que fica contigo, agarradinha na sua cintura, apegadíssima a você, durante um bom tempo. Todo mundo morrendo de fome, as crianças da família quase chorando por que querem comer para poderem abrir os presentes, mas aquela sua tia velha, a que te dá aquela camisolinha de malha todo ano, resolve fazer uma oração, “para agradecer tudo isso”, todo mundo de mãozinha dada e ela não faz apenas uma oração, mas várias, todas as que ela conhecia, todas mesmo. Legal mesmo foi quando ela orou, bem alto, e fervorosamente, para que Deus fizesse um milagre bem grande, me tirasse “desse abatimento” e me mandasse um marido que me "tirasse dessa vida", adorei. Para me manter nesse clima tão lindo, a blusinha que eu comprei para a minha mãe em quatro vezes, segundo ela, tinha, apenas, três defeitos: o tamanho, a estampa e o modelo, de resto era uma graça. Eu sei que não verei a blusa nunca mais. Houve um pequeno ressentimento na mesa por causa do peito do peru, e agora tenho certeza que eu vou virar vegetariana. As crianças brigaram por causa dos brinquedos,mas a partir desse ponto as lembranças já são meio confusas.Mas a vida segue e para não sobrar nada mesmo do seu décimo terceiro logo vem o ano novo, o tal réveillon. Coisa linda o réveillon! tornar a encontrar todos os histéricos nas filas do supermercado, os entes queridos, tomar aquela cidra espetacular com gosto de rolha doce nas taças que a sua mãe comprou junto com uma revista semanal, ver a sua mãe chorar porque alguém quebrou as tais taças, contar até dez de trás para frente aos berros, prometer o que dificilmente você não vai cumprir e assistir o Prefeito queimar em rojões todinho o dinheiro que você pagou em impostos durante o ano, enquanto todo mundo elogia aqueles desenhozinhos bestas no céu. O ponto forte é o seu cunhado, que,depois de beber todas, ronca de boca bem aberta no sofá, mostrando todo o esplendor de suas obturações. Sim, eu comecei a narrativa destas festas cristãs em torno do décimo terceiro, dizendo que passei tudo isso sozinha. Bom, se o homem lá de cima atender a prece da minha tia velha, provavelmente, muito provavelmente, eu vou dizer que eu sou órfã, que me criei na floresta junto com mogli, o menino lobo, mas não vou querer mesmo companhia em torno das comemorações do nascimento do décimo terceiro. Os meus filhos ainda não têm muita opção, mas estamos trabalhando em uma saída: o mais novo está querendo virar budista e o do meio está disposto a ser circuncidado e se converter ao judaísmo. Eu, mais realista, quarenta e tantos anos depois, pratico a aceitação do inevitável. Que venha o próximo décimo terceiro. Bom ano a todos, inclusive a aquela tia velha e ao cunhado bebão.

Um comentário:

  1. quando vc ficar famosa não esqueça da sua veterinária, rsrsr...

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